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__ Ô Pião!
Era assim que Rommel chamava Pedro, seu companheiro de trabalho por muitos anos.
__ Lembra quando a gente trabalhava na Philco da Celso Garcia? Depois, quando fomos para a Fechaduras UEME, na Penha? Na Cisper? Lá perto de A.E. Carvalho?
Pedro, claro, se lembrava!
__ Quem eram nossos patrões? A gente sabia quando eles não vinham trabalhar? Alterava alguma coisa na produção se eles estivessem na fábrica ou na praia? Você se lembra de alguma vez o patrão vir organizar a produção, ali com a gente?
__ Teve aquela vez na Císper... com os italianos...
__ Mas, Pedro, eles estavam só querendo mostrar a fábrica. Estavam querendo vender, lembra? Não estavam lá para mexer na produção...
Pedro concordou com a cabeça. A voz alta de Rommel já atraía a atenção dos outros, no boteco e se formava uma rodinha ao redor dos dois.
__ Lembra quando a ferramentaria decidiu parar? Lá na UEME? Quando a piãozada da Philco, aquele bando de gurias (Rommel viveu quando criança no Rio Grande do Sul), fez aquela paralisação no meio da manhã? Naquele dia que aquele chefete – como era o nome dele? Arcanjo? Arcejo? … não me lembro! – veio pra cima da guria da solda e todo o mundo parou? E quando, na Cisper, o pessoal das fornalhas ameaçou – só ameaçou – desligar tudo?
As lembranças eram boas, traziam um sorriso na cara achatada, meio índio, meio caboclo, de Pedro.
__ O que adiantava patrão naquela hora? Nadinha! Os patrões não produzem. Com ou sem eles, a produção acontece. Sem os operários e trabalhadores, de que valem os patrões?
Daí Rommel colocou sua opinião:
__ A gente não precisa dos patrões. Eles é que precisam da gente. Sem patrão, a gente vive. Eles é que não vivem sem a gente. Sabemos fazer a produção acontecer, a manutenção das máquinas, como melhorar o produto e tudo o mais...sabemos tanto mais do que eles, que a gente sabota o tempo todo, e eles nem percebem...
__ Como assim, sabota?
Desta vez quem perguntou foi um dos que estavam no boteco e que se interessara pela conversa.
__ Ora, companheiro! Alguém aqui trabalha com toda a vontade? Alguém aqui não faz corpo mole o tempo todo? A gente não calcula, todo o tempo, como se cansar menos, como produzir menos, como se poupar? Quem aqui pode dizer que nunca quebrou uma ferramenta de propósito, com raiva ou com cansaço? Não seguiu tão certinho e de propósito uma ordem idiota do chefe que quebrou o equipamento, desperdiçou matéria-prima...
Rommel olhava agora para todos ao seu redor, uns 5 ou 7 operários como eles. Dois da fábrica na rua de cima.
__ Conta pra eles Pedro, o prejuízo que você deu, lá na UEME!
Pedro deu uma gargalhada! Feliz!
__ Aquele idiota do engenheiro, não tinha ideia de bulufas. Veio me ensinar a trabalhar: faça assim, agora assado. Depois mais isso, depois mais aquilo. Fui fazendo tudo certinho. Como ele mandava...O equipamento era usado, tinha uma folga, De tempo em tempo, tinha que abrir a escotilha e lubricar o mancal. O eixo da prensa foi esquentando, esquentando até que quebrou e entortou a prensa toda... Daí eu disse pra ele, com cara de idiota: “Quando é que a gente folga o eixo e lubrifica?” Ele me olhou com uma cara de idiota e foi embora envergonhado...
A vingança até hoje deixava Pedro feliz!
__ Lembra, Pedro, de Zé da Volks? Pedro fez que sim com a cabeça.
__ Como é mesmo a história que ele pregou naquele engenheiro mecânico?
__ Essa história eu não vi... foi ele que contou...
__ Sim! Como era mesmo a história?
__ Ele trabalhava em um torno e tinha que, com o pé, mover uma manivela de segurança por baixo do motor, junto ao chão, para ligar. Tudo bem rápido. Era uma peça pronta em menos de um minuto e meio. Três torneadas e a peça pronta. Enquanto se ajustava o torno, dava a última apertada, o pé, por baixo, movia a manivela. Tudo muito coordenado. Tinha que ter prática.
Pedro tomou fôlego.
__ O Zé conta que viu o engenheiro por trás dele, o observando assim meio que de longe, sem querer dar muito na vista. Ele então começou a assobiar toda a vez que movia a alavanca de segurança com o pé. E o engenheiro só olhando. E olhava e o Zé assobiava. Daí o engenheiro se chegou, meio sem jeito, e perguntou por que ele assobiava.
Zé disse que olhou o chefe com a cara mais inocente, o olhar mais deslavado:
__ Ora, chefe.. senão o motor não liga...
__ Como não liga?
__ O senhor que me explique! Não liga...
E se afastou dando lugar para o engenheiro. Mal e porcamente, o engenheiro colocou a peça no torno – ia dar tudo errado, pois a peça estava toda fora do eixo! – e apertou o botão de liga. Nada aconteceu, claro. A alavanca de segurança estava no desliga. O engenheiro fez de novo. E de novo. E nada! Até que o Zé assobiou e empurrou, sem que o chefe visse, com o pé a alavanca e ...o motor ligou!
Pedro dava risada!
__ Imagina a cara do engenheiro! Tentou de novo. E de novo. E de novo. Até que desistiu e voltou para o escritório comentando o estranho de um torno que só ligava com o assobio do Zé. No dia seguinte, a linha de montagem toda ria do engenheiro. Bastava ele aparecer na produção, um engraçadinho assobiava e era uma gargalhada só!
A gargalhada ainda ecoava no boteco quando Rommel disse o óbvio, mas que a gente pouco pensa:
__ Não disse? Quem sabe da produção e produz não é nem o patrão nem o engenheiro! Muito menos o pessoal do RH! É a peãozada!
Rommel secou seu copo de cerveja e não deixou que Pedro lhe servisse mais, foi se levatando para sair:
__ A vai melhorar quando quem produz controlar e organizar a produção. A fábrica sem patrão é a fábrica ideal. Um mundo sem patrão, é um mundo em que todos trabalham. Quanto todos trabalham, nenhum é mais poderoso do que outro e todos cooperam para trabalhar cada vez menos.
Virou-se para Pedro, já com a mochila no ombro:
__ É assim que se faz! Lembra, Pedro de ontem? Você me perguntou como fazer para chegar a um mundo comum a todos, um mundo comunista! Assim: quem produz ocupa a produção. Patrão só come se vier produzir com a gente. Os tantos e tantos desempregados, a gente traz para trabalhar com a gente. Assim, todo mundo trabalha cada um trabalha cada vez menos. Já imaginou a gente trabalhar 2 ou 3 dias por semana? Só para começar? Se colocar todo o mundo prá trabalhar, vamos trabalhar ainda menos!
Rommel deu tchau com as mãos para todos, e um tapinha o ombro de Pedro:
__ É assim que se faz, pião! Por isso é que eu não vou votar nem em Lula, nem em Bolsonaro! O que eles querem é um mundo com patrões mandando na gente! Vou de voto nulo, por um mundo sem patrões! Um mundo comunista, comum a todos.
__ Rommel, já vai? Toma mais uma com a gente... pediu um dos operários da roda.
__ Fica pra amanhã... agora vou pra minha cachaça preferida... minha Celeste!
Quem não sabia que Celeste era o amor da vida de Rommel, ficava a se perguntar que marca.